sábado, 24 de setembro de 2011

OUVINDO APRENDEMOS A RECONSTRUIR O MUNDO

-Cala a boca menina! -Cala a boca menino!
Esta ordem muitas vezes proferida pelos educadores ecoa tão fortemente em nosso mundo íntimo que, ditas, repetidas vezes, surtem exatamente o efeito inverso. Desatrelamos mais a falar como forma de reagir ao imperativo cerceador. Esse confronto nós levamos para a nossa vida adulta, tornamo-nos defensivos contra o agente silenciador. Apesar das tentativas de silenciamento, a habilidade de falar é estimulada, criando assim um conflito que nos acompanha ao longo de nosso processo evolutivo de crescimento. E esse agente reativo lança faíscas ao nosso redor dificultando a convivência. Como diálogo significa entendimento entre duas ou mais pessoas, só seremos bem entendidos e entenderemos bem se conseguirmos falar e calar. E a importância dessa dinâmica de  indissociabilidade e  complementaridade nos são omitidas em nossa educação formal e informal.
Plutarco, filósofo grego da Antiguidade, em seu elucidativo livro “Como ouvir” afirma que é o ouvido precisamente o órgão da sabedoria. A idéia de Plutarco nos remete as falhas de nossos procedimentos cotidianos, no afã de ser ouvido, perco oportunidades preciosas de construir o saber, ampliando assim a rede de saberes que vão estabelecer a tessitura de construção do ser integral e pleno que sou. Voltaire, filósofo iluminista Frances, já afirmava que o ouvido é o caminho do coração. Precisamos urgentemente treinar a nossa  audição como forma de abrir nossos canais perceptivos para o envolvimento sensível com o outro.
Rubem Alves, psicanalista e escritor da atualidade, nos presenteia com um belíssimo texto chamado “Escutatória”, inicia seu texto afirmando que pretende abrir um curso de escutátoria, pois vê diariamente que o curso de Oratória é muito procurado e acessado, mas afirma, de forma interessante que acredita que ninguém vá se matricular no curso de Escutatória. “Escutar é complicado e sutil” afirma Rubem.
Vamos nos deter particularmente nesta singela frase. Escutar é complicado, pois envolve o desejo sincero de ouvir o outro, é complicado olhar para o outro, ficar atento ao que está sendo dito e principalmente o que não está sendo dito, é complicado porque é sair de si e mergulhar no outro, nas fronteiras que me separam do outro que me auxiliam no processo de construção de mim. Escutar é complicado, é filosófico.
Escutar é sutil, é refinado, é delicado, é entrega. Se ouço comprometo-me com quem ouço, este ser,que não sou eu, passa a vagar pelo meu universo profundo e me assusta, pois pode colocar em cheque meus conceitos, meus valores que nem sempre estão bem sedimentados. Escutar é realmente complicado e sutil como afirma o mestre Rubem Alves.
Os ambientes educacionais e organizacionais estão repletos de não escutadores. Não doadores de seu tempo para enxergar e tornar visível o outro. Isto torna as relações tão frias e vazias que sentimo-nos sós. E essa solidão faz-nos também não ouvir e o ciclo acaba por não se romper.
As queixas que permeiam estes ambientes ficam voando pelos espaços e raramente chegam àquele que não ouviu e se ouve por outro, o que nós podemos chamar de ”fofoca”,  o ressentimento se estabelece dificultando ainda mais o diálogo. A falta de audição cria então um núcleo sórdido: a maledicência, que precisa ser combatida e substituída por audição e “falação” plena e autêntica. O medo precisa ser combatido pela ousadia, o que é hoje alvo de inúmeras discussões neste momento histórico de grandes e surpreendentes inovações
Quantos clientes podem ser perdidos pela falta de audição, quantos colaboradores em todos os níveis podem estar oferecendo seus préstimos abaixo de suas capacidades por não estarem sendo ouvidos? Quantos esposos, esposas, pais e filhos podem estar em sofrimento por estarem se sentindo invisíveis? Ouvir promove o bem comum, o bem estar físico, mental e espiritual.
Podemos criar momentos de resolução desta crise, promovendo espaços de confraternização e redescobrimento. Grupos podem ser formados para estabelecimento de relações dialogais dentro dos espaços familiares, escolares, religiosos, organizacionais. Dinâmicas várias podem servir para afinar a orquestra que perdeu o tom. Não se pode mais falar em crise sem apontar para as estratégias de solução. Isto é pensar e agir com solidez e com valores ecóicos. Entendendo-se como agentes reconstrutores de uma nova ética onde aulas de “Escutatória” estejam repletas de participantes que desejam sua melhoria íntima e a sustentabilidade emocional e moral do planeta.
Para concluir sem fazer conclusão e sim estimulo à reflexão, deixo o pensamento de uma religiosa russa pouco conhecida por nós: Catherine de Hueck Doherty: