sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Meu Fuscão Preto - Crônicas do Chá

 


''Lembranças que nos trazem sorrisos e lágrimas ao mesmo tempo.''

Clarice Lispector

 

Clarice descreve bem meus momentos, ela parece que entende meus devaneios. Existe uma conexão visceral quando a leio, eu a busco, a persigo, sempre com encantado interesse.
Esta semana, Marcia Luz me presenteou com o desenho que ilustra este post. Fui longe nessa imagem.

Lembrei de um grande e inesquecível amigo que partiu para o plano espiritual com uma pressa, que na época achei descabida. Foi rápida sua passagem pelo planeta e nossa amizade teve altos e baixos, muito mais altos, vale ressaltar. Muitos pontos altos, altíssimos mesmo.

Foram muitos chás na confeitaria Colombo, em uma mesa numa varanda que não mais está acessível nos dias de hoje. Qual chá, não lembro, perdido deliciosamente nos idos do tempo.  Esquecíamos da hora tomando chá com gulodices e ríamos e chorávamos e contávamos segredos escondidos.

Nossa saída da Confeitaria Colombo era quando um garçom com um sorriso simpático nos entregava a conta, ao olharmos em volta víamos as cadeiras de pernas para o ar em cima das mesas, ríamos mais com sensação de déjà vuDoces lembranças. Doce amigo.

Assisti com ele a nossa primeira ópera, lembro bem, era Turandot, conhecemos Puccini juntos, encantados, inebriados pelas cores, pelos sons, pela magia, "Nessun dorma! Nessun dorma!" Entendíamos tudo sem entender uma só palavra cantada. Ah... quantas adoráveis lembranças!

Mas e o fuscão preto? O primeiro carro desse amigo, comprei dele depois, ele quis alçar outras marchas com carros mais possantes e de preferência zero quilometro “para que eu não tenha que me preocupar com nada”, dizia ele com a consciência de ser desajeitado para trabalhos braçais, queria ser Juiz, mas...não deu tempo.

Ajudei a escolher o fuscão, fomos juntos pegar na concessionária, cheirinho de carro novo. Nunca um carro foi tão parado nas blitz policiais. "Blitz, documentos... só temos instrumentos..." mas sempre tínhamos documentos em ordem, ambos não transgredíamos as Leis pois já éramos transgressores das normatizações sociais que não engolíamos tão facilmente. Rebeldes discretos éramos nós. Vivíamos livres das amarras convencionais, criávamos nossa própria história. Cultura Brasileira era a matéria que eu oferecia a lição, Geometria Euclidiana era a vez dele. Nos conhecemos na faculdade e parecíamos amigos de infância, sabíamos tudo um do outro. Era uma cumplicidade só.

Sinto saudade, saudade boa sem lamentações, saudade do amigo, do fusca, do tempo vivido. Esse fusca está plasmado na minha memória, como esse amigo querido.

Estou tranquila com a saudade, sei que nos encontraremos quando a viagem for a minha, sem pressa. Lembraremos do fuscão preto e de todos os vínculos que nos uniram, esses vínculos não ficam perdidos no tempo, ficam arquivados para acessar no futuro encontro.

Até lá, deixo meu carinho para você Gilmar, meu amigo querido e minha gratidão a Marcia Luz que sem saber, trouxe essa possibilidade de história. O fuscão preto, imagino, continua a vagar por aí, meu amigo no outro plano astral, eu por aqui contando e recontando as miçangas de minhas histórias. "Lembranças que nos trazem sorrisos e lágrimas ao mesmo tempo.” 

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Professor faz história

“A Educação tem caráter permanente.
Não há seres educados e não educados.
 Estamos todos nos educando.” Paulo Freire! 


Profissão especial esse tal de magistério, afinal figura no universo desde tempos imemoriais. É possibilidades de troca crítica e criativa. É profissão filosófica, terapêutica, transcendental. Estive transitando neste universo diariamente por mais de 30 anos e esse fervor permanece em mim através da minha existência.
O professorado traz o gérmen da inquietude, da insatisfação, principalmente pelo descaso que vê com a educação, mas não é uma insatisfação paralisante, é ativa, estruturante e estruturadora.
Entendemos que educação é um direito legitimo de todos e todas e que necessita ser mais bem cuidada pelos poderes públicos e privados, pois é indicadora de sustentação cultural. Bons pensamentos e boas ações tem como base uma boa educação, inclusive a escolar. 
O magistério representa a esperança no porvir, desafiando as dificuldades inerentes a sua rotina. Onde quer que estejamos colhemos sementes que podem ser plantadas nas aulas, e tudo bem se não frutificarem de imediato. Existem frutos não visíveis, que só o tempo vai fazer amadurecer, por vezes, muito tempo.
Temos a  certeza de que a permanência de cada ser nesta honrosa profissão garante a manutenção e perpetuação do saber e das múltiplas relações que se estabelecem. Relações cada vez menos centradas no poder e mais centradas no acolhimento e na amorosidade.
Essa amorosidade do professor se estende a toda humanidade, é próprio da profissão amar os seres da criação e estar grato por mais um dia de alegria com os sucessos, e de resignação ativa com as incompreensões. Professor faz história com a alma!
O professor é um intelectual modesto, sempre recorrendo a Sócrates na certeza de que nada sabe, que seu saber está sempre em construção. E vai se construindo em espiral ascendente.
Certos de que a construção da nova sociedade é obra do coletivo, o professorado fica na luta simbólica e na fé ativa. Agradecido pela existência dos alunos, seres queridos fundamentais para sua existência e  permanência, professores caminham juntos com seus alunos, essa é sua força trazendo a semente do porvir.
Paulo Freire afirma ainda que quem não sabe amar os seres inacabados não pode educar. Os professores sabem-se seres inacabados e o tempo todo estão buscando agregar valores e conhecimentos.
Gratidão eterna aos professores que passaram pela minha vida e que auxiliaram na minha trajetória, que me fortaleceram para construir quem sou. E, é claro, a todos os alunos que passaram pela minha vida e que me tornaram uma pessoa melhor, gratidão eterna!
Bênçãos para estes agentes de mudança, artífices do novo e propagadores da fé e da esperança. Parabéns para todos e todas nós, ontem, hoje e através dos tempos.