sábado, 15 de outubro de 2022

NOSSO ESTRANHO JEITO BRASILEIRO



"O meu pai era paulista, 
Meu avô, pernambucano
O meu bisavô, mineiro, 
Meu tataravô, baiano
Vou na estrada há muitos anos, 
Sou um artista brasileiro"

Chico Buarque consagra nossa brasilidade com a bela música "Paratodos". Essa nossa forma hibrida e multidimensional de ser e atuar no mundo, nos fez pessoas interessantes. 
A história da minha família está recheada desta diversidade e se parece com as inúmeras histórias de imigrantes.
Meu pai vem muito jovem da Paraíba, anda de "pau de arara" para sair da caatinga e se dirigir para o sonho de uma vida melhor. Genaro é seu nome, que recebeu do pai europeu. Estudar não deu tempo nem tinha lugar, aprendeu apenas a fazer umas "mal traçadas linhas".
Genaro, magrinho e miúdo vem parar no Rio de Janeiro, esta cidade representa o "outro mundo", mais colorido, mais molhado, com praias e belas cariocas se bronzeando despreocupadas, imagem idealizada...
Uma vida melhor dentro dessa idealização é o que almejam todos aqueles que deixam para trás suas origens e se propõe a recomeçar.
E vem meu pai trabalhar como zelador de um prédio em Copacabana, seu irmão mais velho, já casado e muito fértil, fecha 12 filhos. 
E o tempo vai passando. Copacabana com suas belas calçadas, sol, boteco na esquina para uma cachacinha, sempre deixando um gole "pro santo", dizia ele. No Carnaval fantasiado de mulher cantava "tomara que chova cem dias sem parar", era uma diferença da tristeza da seca.
Havia a saudade da mãe e dos irmãos que lá ficaram, o pai "Deus já havia levado", mas era essa a vida que ele queria viver e sempre mandava uma "ajudinha" financeira para aqueles que lá ficaram.
Um dia ensolarado meu pai é atraído, quase enfeitiçado por uma bela mulher alta e morena que entra no edifício, era a mais nova empregada doméstica de um dos apartamentos do prédio.
Camila atravessara o oceano para se juntar aos irmãos que já aqui estavam. 
A impressão que causa no paraibano fica ainda maior quando ela abre a boca e ele estupefato pergunta: 
- Saiu de onde esta beleza?  
- Yo soy espanhola, responde. Pronto... ali ele decide que ela vai ser sua companheira da vida toda, decisão que não comunicou, guardou para si na gaveta dos sonhos. Ela se afasta sorridente, mas distante. E dá muito trabalho para o "baixinho" de olhos claros, que fica firme na intenção e acaba por conquistar este coração galego.
Eles fizeram um universo particular, diziam que falavam "portunhol", se entendiam e desentendiam de um jeito próprio, ligados pelas fronteiras da distância de sua origem. Um casal exótico, um paraibano baixinho com uma espanhola grandona, casaram conforme a tradição com véu e grinalda na igreja, ele muito vaidoso e ela com aquele ar europeu de nariz empinado.
Ficaram casados até que o tempo dele acabou no planeta e ela o seguiu 6 anos depois. Foram mais de 30 anos de união que sobreviveu as dificuldades e mazelas do caminho, se mantiveram juntos segundo a fala de minha mãe já carregada de brasilidade: 
- Jurei lá na igreja que era na alegria e na tristeza e galego não é de faltar com juramento de jeito nenhum. Ele apoiava e sorria.
O tempo continua passando, eu nasci seguida de um menininho. Éramos um casal de filhos desses imigrantes no Rio de Janeiro. Uma mistura que hoje poderia parafrasear Chico: 
- O meu pai era Paraibano, meu avó italiano, minha mãe espanhola, eu sou este ser misturadamente intenso nas minhas raízes hispânicas e brasileiras.