"O meu pai era paulista,
Meu
avô, pernambucano
O meu bisavô, mineiro,
Meu tataravô, baiano
Vou na estrada há muitos anos,
Sou um artista brasileiro"
Chico Buarque consagra nossa brasilidade com a bela
música "Paratodos". Essa nossa forma hibrida e multidimensional de
ser e atuar no mundo, nos fez pessoas interessantes.
A história da minha
família está recheada desta diversidade e se parece com as inúmeras histórias
de imigrantes.
Meu pai vem muito jovem da Paraíba, anda de
"pau de arara" para sair da caatinga e se dirigir para o sonho de uma
vida melhor. Genaro é seu nome, que recebeu do pai europeu. Estudar não deu
tempo nem tinha lugar, aprendeu apenas a fazer umas "mal traçadas
linhas".
Genaro, magrinho e miúdo vem parar no Rio de
Janeiro, esta cidade representa o "outro mundo", mais colorido, mais
molhado, com praias e belas cariocas se bronzeando despreocupadas, imagem
idealizada...
Uma vida melhor dentro dessa idealização é o que
almejam todos aqueles que deixam para trás suas origens e se propõe a
recomeçar.
E vem meu pai trabalhar como zelador de um prédio
em Copacabana, seu irmão mais velho, já casado e muito fértil, fecha 12 filhos.
E o tempo vai passando. Copacabana com suas belas calçadas, sol, boteco na
esquina para uma cachacinha, sempre deixando um gole "pro santo",
dizia ele. No Carnaval fantasiado de mulher cantava "tomara que chova cem
dias sem parar", era uma diferença da tristeza da seca.
Havia a saudade da mãe e dos irmãos que lá ficaram,
o pai "Deus já havia levado", mas era essa a vida que ele queria
viver e sempre mandava uma "ajudinha" financeira para aqueles que lá
ficaram.
Um dia ensolarado meu pai é atraído, quase enfeitiçado
por uma bela mulher alta e morena que entra no edifício, era a mais nova
empregada doméstica de um dos apartamentos do prédio.
Camila atravessara o oceano para se juntar aos irmãos que já aqui estavam.
A impressão que causa no paraibano fica ainda maior quando ela abre
a boca e ele estupefato pergunta:
- Saiu de onde esta beleza?
- Yo soy espanhola, responde. Pronto... ali ele
decide que ela vai ser sua companheira da vida toda, decisão que não comunicou,
guardou para si na gaveta dos sonhos. Ela se afasta sorridente, mas distante. E
dá muito trabalho para o "baixinho" de olhos claros, que fica firme na
intenção e acaba por conquistar este coração galego.
Eles fizeram um universo particular, diziam que
falavam "portunhol", se entendiam e desentendiam de um jeito próprio,
ligados pelas fronteiras da distância de sua origem. Um casal exótico, um
paraibano baixinho com uma espanhola grandona, casaram conforme a tradição com véu
e grinalda na igreja, ele muito vaidoso e ela com aquele ar europeu de nariz
empinado.
Ficaram casados até que o tempo dele acabou no
planeta e ela o seguiu 6 anos depois. Foram mais de 30 anos de união que
sobreviveu as dificuldades e mazelas do caminho, se mantiveram juntos
segundo a fala de minha mãe já carregada de brasilidade:
- Jurei lá na igreja
que era na alegria e na tristeza e galego não é de faltar com juramento de
jeito nenhum. Ele apoiava e sorria.
O tempo continua passando, eu nasci seguida de um
menininho. Éramos um casal de filhos desses imigrantes no Rio de Janeiro. Uma mistura que hoje poderia parafrasear Chico:
- O meu pai era
Paraibano, meu avó italiano, minha mãe espanhola, eu sou este ser
misturadamente intenso nas minhas raízes hispânicas e brasileiras.