domingo, 10 de abril de 2022

Crônicas do Chá: A dança do chá amarelo


Era noite e muitas luzes clareavam absurdamente o espaço. Ela dançava com seu vestido vermelho com um grande lenço amarelo amarrado a cintura. Ela era pura cor contrastando com o singelo azul celeste do cenário.

Seus movimentos eram ritimados, por vezes lentos, por vezes ágeis ao sabor da música. Ela sorria e olhava a plateia embevecida, mas olhava sem ver, só via, sentia e vivia o som que guiava seus passos.
Uma após outra dança se seguiam, até que o espetáculo teve fim, como tem fim tudo na existência.
Agradece os aplausos, agora vê a plateia sorridente e sorri também, recolhe uma das flores depositadas aos seus pés e a beija sentindo o frescor daquela rosa amarela.
Vai para o camarim, é simples, mas o perfume das flores recebidas faz o espaço riquíssimo. Toca lentamente algumas folhas das flores espalhadas e sente uma textura delicada. Sorri para a delicadeza que existe na natureza. Se sente natureza!
Sorri para si mesma e percebe a sutileza do momento presente, está só no camarim podendo desfrutar de sua própria companhia e de uma boa xícara de chá.
Sabia que o chá que trouxeram recentemente era o chá amarelo. Foi um presente recebido com muita alegria, afinal esse chá é considerado um dos mais raros do mundo. "A vida é tão rara, tão rara..." canta mentalmente.
Raras são as oportunidades de se estar só com o chá como bela companhia. E se perdeu em elocubracões. Mas não queria pensar agora. Só sentir. Existem dias que são muito inspiradores, esse era um deles.
Sentiu seu rosto quente, levantou-se, lavou o rosto retirando a maquiagem que escondia pequenas rugas que já despontavam insistentes, o tempo passa... passa... mas estava de bem com suas rugas que marcam o tempo bem vivido. O transcorrer da existência estava vincado em sua face e o espelho refletia esse fato incontestável. Mas... tudo bem...
Sentou-se na fofa poltrona verde musgo e pegou seu chá, sentiu o calor suave da xícara branca decorada á moda antiga, tinha um pires com lindos miosótis com miolinhos amarelos.
Levou lentamente a xícara a boca, sentiu dulçor de mel, de tâmara, de ameixas do pé da casa da avó, de dia de chuva correndo pelo sítio do tio Neco, pulando nas poças de lama. Dias que vão longe... presentes, agora, na xícara do chá amarelo, amarelo ouro, amarelo solar, amarelo.... o tempo parece congelar...
A cor amarela permeia o dia, o amarelo do lenço, o amarelo da rosa, o miolinho amarelo do miosótis, o amarelo do chá, a cor amarela presente no sol que traz seus raios para iluminar o dia, mais um dia para agradecer o divino presente da vida. 
Cada dia merece ser saboreado, admirado e vivido de forma resplandecente, hoje, amarelecente.