quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Mais um Chá

 

A noite estava gélida e ela acordara no sofá com o livro jogado ao lado, os óculos no chão e o gato displicente e desinteressado em uma almofada.
Estava escuro, ela não percebeu o anoitecer que se firmou, apenas uma nesga de luz entrava pelo mal fechado da cortina.
Arrumou os cabelos, colocou os óculos e pensou em uma xícara de chá que não chegaria se ela não fosse fazer. Queria ter agora o balançar de cabeça da Jenny que era um gênio ou a piscadela da Samanta que era uma feiticeira. Aff, pensou, seriados antigos era bem a sua cara. Ela era antiga também como era antiga a manta que cobria metade de seu corpo. Era um velho cobertor, na verdade. Um velho cobertor que por muitas vezes abrigara toda sua pequena família que se espremia no sofá para ver filmes de faroeste. A mãe não ficava muito tempo, faria pipoca, levantava e sentada irrequieta nos afazeres maternos mesmo quando o pai dizia para  sossegar o facho, riu dessa expressão "sossegar o facho", será que ainda se usa por aí? E será que era a expressão que o pai usava? Tudo tão distante no tempo e no espaço.
Agora é ela que tem os cabelos embranquecidos pela farinha do tempo. Olhou para suas mãos, pareceiam as da sua mãe, grandes e um pouco enrugadas. Ri do "um pouco enrugadas", perdeu a noção do muito ou do pouco? Não sabe e nem se importa. Mãos de unhas curtas sem esmaltar, não gostava de esmalte, queria suas mãos assim, veias aparentes, a marca de um anel estava visível, ficou olhando as mãos e pensando nos quatro embaixo do cobertor quadriculado ,olha mais uma vez o velho cobertor e vê um fio puxado que fez um buraquinho, mas a vida é assim mesmo, cheia de buraquinhos...
Estava difícil sair desse afundamento no sofá.
Bem... divagar na poeira do passado não vai trazer a xícara de chá, pois bem... levante acenda as luzes e vá aquecer a água, escolher o chá, Branco? Verde? Amarelo?
Ela pensara que o Branco combinava com o nostálgico momento. Ok, chá branco para animar e escrever o relatório que estava na área de trabalho aguardando a continuidade assim como a vida por aqui que é um contínuo sem fim imediato, sem pressa também...