quinta-feira, 15 de março de 2012

O OLHAR TRANSGRESSOR DO UNIVERSO FEMININO

“Não se pode escrever nada com indiferença”
(Simone de Beauvoir)

Território inóspito é a alma feminina. Alma aqui, afastada da sacralidade, se isso pode existir, refere-se a sua essência primeira, repleta de contradições. Oferece-se e esconde-se com uma sutileza toda própria do seu ser. Habita firme e reafirma espaços, retirando-se deles sem parcimônia, como convidada especial, expande-se e contrai-se.
Plena de sutilezas e inundada em dúvidas, a trajetória do feminino do primitivismo aos nossos dias é transgressora, abundante de plenitude. Passo agora a recordar algumas mulheres especiais.
A filósofa Hipátia de Alexandria, já buscava respostas para o desconhecido na longínqua Grécia, e afirmava que era casada com a verdade, causando rebuliço no mundo antigo sendo assassinada pelo preconceito. Heloísa, imortalizada pelo amor profano por Abelardo, num mundo pseudo sagrado medieval, sentiu duras consequências da sua transgressão. Chiquinha Gonzaga delimita espaço na música brasileira sendo a primeira maestrina, neste momento histórico não existia feminino de maestro, não se sabia como dar-lhe título, foi criado, portanto, o termo. Esta sofreu o peso de seu comportamento anarquista numa época em que andar sem chapéu era considerado indecente. E a interessante francesa Simone de Beauvoir, a escritora existencialista que deixou a todos boquiabertos com seu casamento aberto com Sartre. Não podemos deixar de fora a bela Leila Diniz que choca com sua “redondice” a mostra, sexy e despojada exibindo sua gravidez em um biquíni muito moderno, e a sobrevivente do Titanic Molly Brown que estava envolvida na política mesmo antes da mulher ter direito ao voto. Outra mulher especial era a Dona Isaura na Colônia Tavares de Macedo que totalmente comprometida pela Hanseníase, com o rosto e mãos mutilados, passava batom e se enfeitava com pulseiras para receber os visitantes, transgredindo a dor e as lamentações da doença, dando um colorido de alegria torcendo pelo Vasco. Existem muitas e muitas outras, não citadas, não esquecidas.
Transgredir nos dicionários significa a ação de atravessar, ultrapassar, romper limites e demarcar terreno, e isso é eminentemente feminino. Viver não é um fardo, é renovação constante, é superação, é uma experiência de inovação, de reafirmação da sua interação com o outro que se mostra e se mistura através e com você. E na visão do outro o próprio espelhamento se estabelece.
O olhar feminino é urgente e delineado por cores e matizes diversos, não tem padrão, tudo que se diz pode não ser ou urge ser. Olhar feminino flui e transborda.
Na alma transgressora da mulher brasileira sua origem colonial, negra e mestiça emerge em seus atos híbridos por natureza. Ela possibilita-se o confronto com seu dual e ruma à ação criativa, de parir filhos e ideias, de criar crianças e filosofias, de nutrir bebês e ideais. Fartou-se da transferência de sua autonomia e foi guerreando armada da razão e da emoção, firmando-se como ser completo, complexo, simples e integral.
Na contemporaneidade, ainda em marcha na consciência da sua dimensão histórica, prepara-se para o imprevisível e aguarda o porvir como gestação, aproveitando cada dia com um misto de prazer e ansiedade, entendendo que o futuro é perigoso e delicioso e participar é palavra de ordem do momento.
A história do feminino é escrita dia-a-dia, ponto a ponto e cheia de contrapontos nas Marias, Joanas, Danieles, Paulas, Flávias, Anas, Rosas, Adrianas, nas fêmeas de nomes diversos, desejos diversos, na rudeza e beleza da sua diversidade feminil. Sua existência e essência é fato e afeto a múltiplos olhares e rodeada de um sutil mistério que nos tornam tão naturalmente divinas.

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